quarta-feira, 14 de maio de 2014

Vida real é fazer algo de valor eterno. Se alguém fizer algo conectado ao mundo eterno, receberá um resultado eterno.     Essa conexão vem através do conhecimento, da consciência e das atividades transcendentais (bhajana); portanto, não temos outro direção a não ser seguir a orientação divina de Sri Guru e dos seus agentes Vaishnavas.

Certa vez Bhaktivinoda Thakura teve um sonho em que passeava pelo céu cantando o santo nome. Ele chegou à corte de Yamaraja, onde o próprio senhor da morte, sentara-se junto a Brahma, Narada e outros, discutindo uma questão de um verso da Bhagavad-gita (9.30):

api cet suduracaro
bhajate mam ananya-bhak
sadhur eva samantavyah
samyag vyavasito hi sah

   O significado que é geralmente aceito para este verso é, “Até mesmo aquele que comete a atividade mais abominável, se ele for ananya-bhak, um devoto que tão só Me adora em serviço devocional, desprovido de karma e jnana, deve ser considerado santo porque seus esforços visam exclusivamente Meu benefício e tem determinação fixa.”
   Aqui, Krsna diz, “O que quer que tenha feito, se estiver exclusivamente entregue a Mim, ele deve ser considerado como Meu devoto. Samyag vyavasito hi sah, e não importa o que esteja fazendo, está cem por cento certo.” Mas a seguir ele diz, ksipram bhavati dharmatma: “Breve ele será virtuoso; ele se tornará dharmatma, cumpridor do dever.”
   Enquanto Yamaraja, Brahma e Narada discutiam este assunto surgiu uma dúvida. Krsna diz, bhajate mam ananya-bhak ou “Aquele que é Meu devoto exclusivo.” Surge a dúvida do que seja devoção exclusiva ou ananya-bhajana. Krsna diz: “Abandona todas as outras concepções religiosas e rende-te somente a Mim”: sarva dharma parityajya mam ekam saranam vraja. Isto é devoção exclusiva. Mas, ao se praticar devoção exclusiva já se é dharmatma, virtuoso. Como é então, que, no verso seguinte, Krsna diz, “Logo ele se torna dharmatma”? Como podemos ajustar isto? Krsna diz:

ksipram bhavati dharmatma
sasvac-chantim nigacchati
kaunteya pratijanihi
na me bhaktah pranasyati

   “Prontamente ele se torna virtuoso (dharmatma) e alcança paz duradoura. Ó filho de Kunti, declare ousadamente que Meu devoto nunca perece.”
   Este é o significado geral deste verso. Krsna diz a Arjuna, “Ele, prontamente, torna-se dharmatma. Meu devoto nunca se arruina. Vai e declara isto publicamente.” Krsna diz que depois de tornar-se ananya-bhak, isto é, abandonar todos os tipos de deveres e render-se a Krsna, ele novamente torna-se uma pessoa cumpridora de seus deveres.
   Enquanto Brahma, Narada e Yamaraja discutiam este assunto viram Bhaktivinoda Thakura passeando no céu, absorto no santo nome. Então, um deles sugeriu, “Ali está um devoto puro. Ele deverá ser capaz de dar o significado real.” Então Bhaktivinoda Thakura foi convidado a se aproximar e lhe foi perguntado, “Como podemos ajustar estes pontos? Krsna disse que esta pessoa é um devoto exclusivo, que ele renunciou a todos os tipos de deveres e a Ele rendeu-se; e ainda assim que, em pouco tempo, ver-se-á que é muito cumpridor dos deveres. Como podemos compreender isto?”
   Bhaktivinoda Thakura explicou que, “Ele rapidamente torna-se virtuoso” não se refere ao devoto exclusivo, mas àquele que considera o devoto exclusivo como sendo puro em todas as circunstâncias. “Mesmo que execute algum ato abominável, ele é realmente um sadhu, um santo “ – aquele que puder pensar desta maneira sobre um devoto exclusivo, prontamente, se torna dharmatma. Esta foi a explicação de Bhaktivinoda Thakura.
   Da mesma maneira, no meu comentário sobre a Bhagavad-gita  segui a explicação de Bhaktivinoda Thakura. Eu também percebi que era redundante dizer que um devoto ananya-bhak torna-se dharmatma. Krsna diz que um devoto exclusivo deve ser visto como um sadhu, uma pessoa honesta. Aquele que diz que se deve pensar que um devoto exclusivo, uma alma rendida a Krsna, é puro, quaisquer que sejam suas práticas externas, a pessoa que está fazendo esta afirmativa, torna-se virtuosa. Esta é a conclusão correta. O que ele diz é cem por cento verdade. E a seguir Krsna diz que aquele que observa de tal forma será prontamente purificado.
   Krsna diz que, por meio de tal apreciação de um devoto exclusivo, a pessoa logo alcançará seu dever eterno e alcançará seu dever eterno e alcançará paz eterna. “Eu lhe peço, ó filho de Kunti, Arjuna, peço-lhe que vá e assevere publicamente que meu devoto exclusivo nunca estará perdido (kaunteya pratijanihi na me bhakta pranasyati). Desse modo você alcançará o benefício da pessoa cuja afirmativa incrementa sua vida.”
   Por outro lado, porque é que Krsna diria a Arjuna, “Faça um anúncio público de que Meu devoto nunca se arruina?” Qual o efeito que Arjuna obteria desta maneira? Mas, aquele que declara: “Um devoto seleto de Krsna é santo, não importa o que ele faça”, torna-se prontamente virtuoso. Se Arjuna declarar isto ele se tornará dharmatma. Ele obterá benefício. Então, Krsna lhe diz, “Você faz a afirmativa. Dá um passo destemido. Aceita o risco e faz esta afirmativa. Então você também conseguirá o benefício que descrevi”.
   É claro que Arjuna é um parshada, um associado eterno de Krsna. Mas, usando-o como um exemplo, Krsna lhe diz, “Faça-o você.” Arjuna adotou a posição de um investigador, independente de seu caráter parshada.
   Quando Srila Sridhara Maharaj publicava seu comentário sobre o Bhagavad-gita, um irmão espiritual disse-lhe, “Se der tal explicação, então, em nome de ananya-bhak-bhakti, devoção exclusiva, os devotos menos avançados tirarão proveito disto. Você está revelando aqui um significado muito oculto. Não se destina ao público. É um ponto confidencial: api cet su-duracaro bhajate mam ananya-bhak, sadhur eva: ‘Ele pode ser o pior debochado em sua vida externa, mas se for ananya-bhak, uma alma rendida, deve ser considerado uma pessoa realmente honesta.’ Se explicar as coisas conforme sua interpretação todos dirão, ‘Ó, eu sou um devoto ananya-bhak’ e continuarão com seu deboche. Assim, por favor, não expresse tão explicitamente esta sua interpretação.”
   Mas Sridhara Maharaj publicou seu  comentário apesar desta objeção porque o princípio sublinhado neste verso é muito importante. Aquele que está entregue a Krsna é aceito como sendo dEle próprio. E, tal como Krsna tem direito sobre tudo e nunca é um transgressor,  assim, os Seus devotos nunca devem ser considerado transgressores, em nenhum momento. Isto é confirmado em outra parte, no Srimad-Bhagavatam: atma bhuyaya ca kalpate, “Meu devoto Me pertence.” Portanto, aquele que trabalha por inspiração de Krsna nunca deve ser considerado um transgressor. Ele pode desfrutar qualquer coisa a favor de Krsna, se for realmente uma alma rendida. Ele deve ser considerado como sendo de Krsna. Ele tem livre acesso a tudo o que pertence a Krsna. Mas houve quem se opusesse dizendo, “Não seja tão amplo em sua interpretação. Se o fizer, então, as pessoas em geral farão coisas abomináveis em nome da devoção pura. Eles dirão, ‘Ó, eu sou um Vaishnava. Eu sou acyuta-gotra, eu sou um dos homens de Krsna. O que for Sua propriedade é meu. Posso desfrutar tudo.’”
   A seguir surge certamente a pergunta de, “Como podemos reconhecer ananya-bhak-bhakti, devoção exclusiva? Aqui está o verdadeiro problema. Meramente professar que eu sou um devoto puro não dá certo. Pelo contrário, um verdadeiro devoto pensará, “Não sou um verdadeiro devoto.” Esse será seu entendimento, seu sentimento interno. Devoção exclusiva não é coisa pequena. Um devoto genuíno pensa, “Eu não posso ser um ananya-bhak-bhakta. Não alcancei esse estágio. É muito difícil. Pelo contrário, estou me afastando disto.” Este será o teor geral de sua atitude.
   O que dizer de devotos menores, a própria Srimati Radharani diz, “As pessoas me associam a Krsna. Dizem que tenho uma conexão ilícita com Krsna. Mas o que dizem é falso. Minha tristeza é que não posso dar meu coração inteiramente a Krsna. Não posso dizer que Sou inteiramente dEle. Meu problema interno é que não pude tornar-Me totalmente dEle e pensam falsamente que sim. Não tenho objeção a tornar-Me plenamente dEle, até mesmo de Ter uma conexão ilícita com Ele. Mas minha grande falha é que não sou capaz.” Essa será a atitude geral de um verdadeiro ananya-bhak-bhakta. É a tendência justamente oposta que virá. O fato é        que, aquele que aceitou Krsna exclusivamente, não sente gosto por nada mais, portanto ele não é realmente duracara, não é capaz de agir de forma abominável. Internamente está sempre conectado a Krsna. Na vida externa ele é indiferente. Assim, o que está fazendo não está sendo feito por ele. Aquele que atua nesse plano da realidade pode destruir milhares de universos, mas não está fazendo nada (hatvapi sa imal lokan na hanti na nibadhyate ). Ele está agindo no plano transcendental, o plano nirguna. Não deve ser visto em termos do que é bom ou mau na estimativa deste mundo. Ele está ausente daqui.
   Tudo que está conectado a Krsna é bom, é nirguna, transcendental, sem qualidades materiais. Neste mundo a verdade é algo relativo. “Isto é verdade, isto não é verdade; isto é meu, isto é seu.” Qual é valor destas coisas? Se um devoto rouba uma flor para Krsna você pode dizer, “Ó, por que você está roubando minha flor?” Mas qual é a garantia de que a flor pertence a você? Estes são diversos graus de conceitos falsos da realidade. Uma pessoa que tem posse de alguma terra declara-se ser o proprietário. Então vem um latifundiário e diz, “Você não é o proprietário. Eu tenho a posse real desta terra e lhe permiti apenas o usufruto.” Mas, acima do latifundiário pode vir um rei e dizer, “Ó, não, esta é minha terra. Sua propriedade é apenas relativa. Eu sou o governante desta terra. Ela me pertence.” Desta forma um conceito relativo da verdade briga com outro. E a moralidade sustenta-se somente nesta concepção: “Isto é meu, isto é seu.”
   Todas estas idéias de propriedade são falsas. Todas estas transações de moralidade são falsas porque não estão conectadas com a Verdade Suprema. Portanto o mau comportamento aparente do devoto é, de fato, bem o contrário.

‘dvaite’bhadrabhadra-jnana,saba-‘manodharma’
‘ei bhala, ei manda’-ei saba ‘bhrama’

Caitanya-Charitamrta, Antya-lila 4.176


   “No mundo material todos os conceitos de bem e mal, certo ou errado, são invenções mentais. Portanto dizer, ‘Isto é bom e isto é mau’ é um erro.” De modo que, no plano mais profundo da realidade, a onda profunda da consciência de Krsna move-se e nela muitas almas jiva dançam. E essa é a dança onde tudo se rende a Krsna no humor de Vrndavana: sarva dharma parityaja mam ekam. Tudo pertence a Krsna e, para Sua satisfação, pode-se fazer qualquer coisa. Este é o único princípio seguido pelos devotos exclusivos, sem preocupar-se com as muitas exigências relativas e críticas deste plano falso. Isto é nirguna, transcendental. Naquele plano não se aplica o cálculo de falsa propriedade. Na consciência de Krsna qualquer reivindicação de propriedade não tem valor.
   Há ainda um outro ponto que deve ser levado em consideração neste verso. Certa vez, Parashara Muni cruzava um rio. Uma jovem pilotava o barco. Quando este chegou ao meio do rio, repentinamente, Parashara ficou encantado por ela, lhe propôs e se uniram. Como resultado desta união nasceu Vedavyasa. Parashara já era um homem com um grau superior de controle dos sentidos. Mas era chegada a hora do nascimento de Vyasa o que criou nele um determinado tipo de necessidade. Repentinamente foi dominado pela luxúria e uniu-se àquela jovem. Desta união surgiu Vyasadeva, o compilador de todas as escrituras Védicas. De modo que esta foi a determinação da Vontade Universal. Parashara não deve ser acusado ou condenado. Não deveríamos considerar isto como um evento luxurioso e criticar Parashara por sua atividade imoral. Ele foi inspirado por algum desejo interior e dominado pela força divina da vontade nirguna de Krsna. Somente por isso é que tais coisas ocorreram.
   Portanto Krsna diz na Bhagavad-gita que não é a ação, mas o que está por trás da ação que deve ser considerado. É isto que deve ser examinado e não apenas a ação. O réu é o motivo subjacente da ação e não o karma, apenas o propósito. Draupadi tinha cinco esposos mas não de sua própria vontade. Teve que aceitar tal problema como seu dever. Ela não o fez objetivando prazer. De tal modo que Draupadi não deveria ser considerada responsável. Não se pode dizer que ela era impudica e não se pode responsabilizá-la de Ter muitos esposos. É dito na shastra que Draupadi ou Kunti podem não parecer castas, mas se você cantar seus nomes será purificado. Desta maneira o que deve ser levado em consideração é o significado interno de uma ação, seu propósito, e não a ação externa.
   Não é seguindo alguma lei comum que o princípio superior é servido, mas sim seguindo a lei superior. Nesse caso a lei ordinária é ultrapassada. Poderia pensar-se que um devoto é culpado do ponto de vista das lei ordinária. Mas, considerando uma lei superior, Krsna disse que, se você puder apreciar seu desrespeito à lei, você será enaltecido.


ajnayaiva gunan dosan

maya disthan api svakan
dharmam samtyajya yah sarvan
mam bhajet sa ca sattamah

Srimad-Bhagavatam 11.11.32


   Krsna diz, “As regras das escrituras existem por Minha direção, Minha ordem. Mas aquele que quebra essas regras para satisfazer-Me deve ser considerado o melhor devoto.” Às vezes para mostrar lealdade ao rei, pode ser necessário passar por cima das leis do rei. De modo que aqui, Deus está acima da lei. Quando analisamos a natureza da divindade concluímos que Krsna está acima da lei. A lei é para nós. Contudo a lei não pode ser aplicada no caso dEle. Ele é absoluto. Quando se entra, de fato, em conexão com o Absoluto pode-se deixar de ignorar as leis destinadas às pessoas comuns. É claro, isto num sentido maior. Não é que os devotos, em nome da devoção, deixarão de observar as leis ordinárias que governam a sociedade. Mas, num sentido superior, temos que compreender que Krsna é a totalidade de tudo. Ele é o criador da lei e, às vezes, ele mesmo quebra a lei e, especialmente, gosta daqueles que estão prontos a quebrá-la por Ele. Aqueles que estão prontos a arriscar tudo em Seu serviço, que estão prontos a sofrer as conseqüências  de desrespeitar a lei, são seus favoritos.
   Esta é a natureza de toda a vraja-lila de Krsna. Em Vrndavana, são sacrificadas todas as considerações de interesse local e individual. Em Vrndavana há o mais elevado auto-sacrifício, até o ponto em que se sacrifica ao fogo o interesse ou consideração particular de todos. Somente quando se alcança esse estágio de auto-sacrifício é que se pode nascer em Vrndavana, não antes. Esta é a conclusão da Bhagavad-gita:

sarva-dharman parityajya
mam ekam saranam vraja
aham tvam sarva-papebhyo
moksayisyami ma sucah

   Krsna diz, “ Você deve arriscar todos os seus projetos. Você deve arriscar tudo, sem nenhuma outra perspectiva além de Mim. Não posso tolerar a presença de uma Segunda entidade em seu coração. Não posso tolerar que você virá até Mim com outra consideração. Meu relacionamento com você deve ser incondicional. Não posso tolerar qualquer outro interesse no coração de Meu devoto. Apenas um interesse: Eu. Sacrifique todos seus assim chamados interesses, todas suas esperanças. Tudo. Então você poderá vir encontrar-Me em Vrndavana.”