A segunda ofensa aos santos nomes é equivocar-se com a posição
de Visnu, Siva e dos semideuses.
No seu comentário
sobre o Sri Siksataka, de Sri Caitanaya Mahaprabhu, denominado Sri Sanmodana
Bhasyam Srila Bhaktivinoda Thakura descreve a segunda ofensa aos santos nomes
da seguinte maneira:
sivasya sri visnor ya iha guna-namadi-sakalam
dhiya bhinnam pasyet sa khalu harinamahitakalah
“Nesse mundo, as
pessoas que, devido à inteligência mundana, vêem diferença nos todo-auspiciosos
e transcendentais santos nomes, forma, qualidades e passatempos de Sri Visnu;
em outras palavras, quem os considera como sendo um fenômeno material e,
portanto, diferentes de nami-visnu, cometem uma ofensa contra o santo nome.
Além do mais, quem considera as qualidades, nomes e outros atributos de Sri
Siva como diferentes daqueles de Sri Visnu cometem uma séria ofensa.”
Em seu comentário
Dig-darsini sobre esse verso citado no Hari-bhakti-vilasa (11.521), Srila
Sanatana Gosvami disse: adi-sabdena rupa-liladi, dhiyapi harinamni ahitam
aparadham karotiti tatha sah a palavra adi se refere aos outros atributos de
Sri Siva, como a sua forma e passatempos. Se alguém pensar que os nomes,
formas, qualidades e passatempos de Sri Siva são diferentes dos de Sri
Visnu, comete uma séria ofensa contra
harinama.
Srila Jiva Gosvami
explicou maravilhosamente o significado dessa declaração no Bhakti-sandarbha
(Anuccheda 265). Ele diz que se for usado o caso possessivo, então a palavra ca
(e) deve ser usada depois de Sri Visnu. Isso significa que o nome, forma,
qualidades e passatempos de Siva e os de Sri Visnu são idênticos. Aqui o
significado é que se considera Siva como sendo uma outra forma de Visnu. A
palavra sri no verso aparece na frente de Visnu
e não na frente de Siva para dar proeminência a Visnu. A palavra
namaparadha usada com referência a Siva significa que o nome Siva aqui
simplesmente indica Sri Visnu. O nome Siva também foi enumerado dessa maneira
nos mil nomes de Visnu. Portanto, a unidade é mencionada simplesmente para
indicar que Siva nada mais é do que uma manifestação de Visnu em outra forma.
Conseqüentemente, não se deve ver diferença entre eles. Caso contrário, se
alguém pensar que este Siva é separado e tem poderes independentes do Senhor,
então isso é uma ofensa a harinama.
No seu Madhurya
Kadambini, Srila Visvanatha Cakravati Thakura faz o seguinte comentário sobre a
segunda nama-aparadha:
“Agora iremos
considerar a segunda aparadha, a de equivocar-se com a posição de Visnu, Siva e
dos semideuses. Os seres conscientes (caitanya) são de dois tipos:
independentes e dependentes. O Ser independente é o Senhor todo-penetrante
(isvara), e os seres dependentes são as partículas de consciência, energias do
Senhor, que só permeiam os corpos individuais (jivas). Isvara-caitanya é de
dois tipos: aquele que nunca é tocado por maya e o outro que, para os
passatempos do Senhor, aceita o contato com maya. O primeiro tipo de isvara é
chamado por nomes como Narayana e Hari:
“O Senhor Hari é na
verdade a Suprema Personalidade de Deus, transcendental à natureza material e
não é tocado pelos modos da natureza. Ele é a testemunha que tudo vê. Quem O
adora se libera dos modos da natureza.” (SB 10. 88.5)
O segundo tipo de
isvara é chamado por nomes como Siva.
“O Senhor Siva está sempre unido à sua energia
pessoal, aceita voluntariamente as três gunas e parece estar coberto por elas.
(SB 10.88.3)
Apesar de Siva
parecer estar coberto pelas gunas, não devemos pensar que ele pertence à
categoria jiva, pois o Brahma-samhita diz:
“O iogurte é uma
transformação do leite, mas não é leite e nem é diferente do leite que o
origina. Adoro ao Senhor primordial, Govinda, de quem o Senhor Siva é uma
transformação similar para o trabalho da destruição.” (Brahma-samhita, 5.45)
Os Puranas e outras
escrituras às vezes glorificam o Senhor Siva como isvara. Mas o Srimad
Bhagavatam explica:
“A transcendental Personalidade de Deus está
associada indiretamente com os três modos da natureza - bondade, paixão e
ignorância - e apenas para a criação, manutenção e destruição do mundo material
é que Ele aceita as três formas qualitativas de Brahma, Visnu e Siva. Destas
três, todos os seres humanos podem obter o benefício final de Visnu, a forma na
qualidade da bondade.” (SB 1.2.23)
Neste verso pode-se
compreender que Brahma também pode ser considerado isvara. Mas devemos
compreender a posição de Brahma como isvara, como sendo uma jiva investida de
poder pelo Senhor Supremo (isvara-avesa).
“Adoro o primordial
Senhor Govinda por cuja graça Brahma tem o poder de criar o Universo, assim
como o sol manifesta uma porção da sua própria luz numa jóia refulgente como a
suryakanta.” (Brahma-samhita, 5.49)
“A madeira é uma
transformação da terra, mas a fumaça é melhor do que a madeira. O fogo é
superior à fumaça, pois com ele podemos realizar yajña. Analogamente, a paixão
(rajas) é melhor do que a ignorância (tamas), mas a bondade (sattva) é melhor
porque com ela é possível se realizar a
Verdade.” (SB 1.2.24)
Assim como a fumaça é
superior à madeira, da mesma maneira o modo da paixão é superior ao da
ignorância. Mas assim como na fumaça não se pode perceber o fogo, da mesma
maneira na fumaça de rajo-guna, não se pode perceber a refulgência ígnea do
Senhor. No ígneo modo da bondade pode-se quase perceber diretamente a
refulgência pura do Senhor. Assim como o
fogo está presente dentro da madeira, apesar de não poder ser notado, assim
também o Senhor está presente de forma invisível até mesmo no modo da
ignorância. Num sono profundo e sem sonhos (susupti), a característica de
tamo-guna, experimenta-se uma felicidade quase similar à felicidade da
realização do Senhor em Seu aspecto impessoal (nirbheda-jñana-sukha). Deve-se
compreender as tattvas considerando-as desta maneira.
Os seres conscientes
que são dependentes do Senhor, as jivas, são de dois tipos: aquelas que não
estão cobertas pela ignorância e aquelas que estão cobertas pela ignorância
devatas, homens, animais. As jivas que não estão encobertas pela ignorância são
de dois tipos: aquelas que estão sob influência da aisvarya-sakti do Senhor e
as que não estão influenciadas por esta sakti.
Aquelas que não estão
sob a influência da aisvarya-sakti são de dois tipos principais: aquelas que
praticam jñana e imergem no Senhor (uma condição lamentável) e aquelas que
praticam bhakti para permanecerem diferenciadas do Senhor e saboreiam uma
bem-aventurança nectárea (um estado não-lamentável). Aquelas que são
influenciadas pela aisvarya-sakti também são de dois tipos: as que estão
absortas em jñana pertencendo à esfera espiritual e as que estão absortas na
criação e outras funções da esfera material. À primeira classe pertencem seres
como os quatro Kumaras e à segunda seres como Brahma e os semideuses.
Podemos considerar
que Visnu e Siva são não-diferentes, sendo a mesma isvara-caitanya. No entanto,
um devoto sem desejos materiais (niskama) deve discernir quem é digno de ser
adorado ou não, baseando-se em nirguna e saguna; isto é, sem qualidades
materiais (Visnu) e em contato com as qualidades materiais (Siva, Brahma).
Sendo tipos diferentes de caitanya, Brahma e Visnu são completamente
diferentes: Brahma é uma jiva e Visnu é isvara. Às vezes os PuraNas descrevem
Brahma e Visnu como sendo idênticos. Mas é preciso que se compreenda isso
através do exemplo do sol e da jóia suryakanta, que está carregada com a luz do
sol. A jóia suryakanta, assim como uma lente, que reúne os raios do sol e
manifesta o calor do sol queimando roupa e papel. É apenas desta maneira que se
deve considerar Brahma como não-diferente de Visnu. Em alguns mahakalpas, até
mesmo Siva pode ser uma jiva investida de poder pelo Senhor como Brahma: kvacij
jiva visesatvam harasyoktam vidher iveti. “Assim como no caso de Brahma, às
vezes uma jiva assume o papel de Siva.”
Desta maneira Siva às
vezes é classificado juntamente com Brahma e portanto se diz:
“Aquele que considera Brahma, Siva e os outros
semideuses no mesmo nível do Senhor Narayana é certamente um ateísta.” (Hari-bhakti-vilasa
1.117, do Vaisnava-tantra)
Aqueles
que não conhecem bem o assunto dizem que Visnu é o Senhor, não Siva; ou que
Siva é o Senhor e não Visnu. Ou pensam: uma vez que sou um devoto de Visnu não
devo considerar Siva e vice-versa. Absortos em tais argumentos estas pessoas
cometem nama-aparadha. Se estes ofensores puderem ser iluminados por algum
devoto com o conhecimento exato sobre este assunto, eles poderão realizar desta
maneira que Visnu e Siva são não-diferentes. Com esta realização e por fazer
nama-kirtana, eles podem neutralizar a sua nama-aparadha."
(Postado
no ano de 1999 no fórum Sarasvata-paribhar, por Satya Raja (discípulo e um dos
primeiros tradutores brasileiros de Srila Narayana Maharaj)