sábado, 7 de junho de 2014



A segunda ofensa aos santos nomes é equivocar-se com a posição de Visnu, Siva e dos semideuses.

No seu comentário sobre o Sri Siksataka, de Sri Caitanaya Mahaprabhu, denominado Sri Sanmodana Bhasyam ­ Srila Bhaktivinoda Thakura descreve a segunda ofensa aos santos nomes da seguinte maneira:

sivasya sri visnor ya iha guna-namadi-sakalam
dhiya bhinnam pasyet sa khalu harinamahitakalah

“Nesse mundo, as pessoas que, devido à inteligência mundana, vêem diferença nos todo-auspiciosos e transcendentais santos nomes, forma, qualidades e passatempos de Sri Visnu; em outras palavras, quem os considera como sendo um fenômeno material e, portanto, diferentes de nami-visnu, cometem uma ofensa contra o santo nome. Além do mais, quem considera as qualidades, nomes e outros atributos de Sri Siva como diferentes daqueles de Sri Visnu cometem uma séria ofensa.”

Em seu comentário Dig-darsini sobre esse verso citado no Hari-bhakti-vilasa (11.521), Srila Sanatana Gosvami disse: adi-sabdena rupa-liladi, dhiyapi harinamni ahitam aparadham karotiti tatha sah ­ a palavra adi se refere aos outros atributos de Sri Siva, como a sua forma e passatempos. Se alguém pensar que os nomes, formas, qualidades e passatempos de Sri Siva são diferentes dos de Sri Visnu,  comete uma séria ofensa contra harinama.

Srila Jiva Gosvami explicou maravilhosamente o significado dessa declaração no Bhakti-sandarbha (Anuccheda 265). Ele diz que se for usado o caso possessivo, então a palavra ca (e) deve ser usada depois de Sri Visnu. Isso significa que o nome, forma, qualidades e passatempos de Siva e os de Sri Visnu são idênticos. Aqui o significado é que se considera Siva como sendo uma outra forma de Visnu. A palavra sri no verso aparece na frente de Visnu  e não na frente de Siva para dar proeminência a Visnu. A palavra namaparadha usada com referência a Siva significa que o nome Siva aqui simplesmente indica Sri Visnu. O nome Siva também foi enumerado dessa maneira nos mil nomes de Visnu. Portanto, a unidade é mencionada simplesmente para indicar que Siva nada mais é do que uma manifestação de Visnu em outra forma. Conseqüentemente, não se deve ver diferença entre eles. Caso contrário, se alguém pensar que este Siva é separado e tem poderes independentes do Senhor, então isso é uma ofensa a harinama.

No seu Madhurya Kadambini, Srila Visvanatha Cakravati Thakura faz o seguinte comentário sobre a segunda nama-aparadha:

“Agora iremos considerar a segunda aparadha, a de equivocar-se com a posição de Visnu, Siva e dos semideuses. Os seres conscientes (caitanya) são de dois tipos: independentes e dependentes. O Ser independente é o Senhor todo-penetrante (isvara), e os seres dependentes são as partículas de consciência, energias do Senhor, que só permeiam os corpos individuais (jivas). Isvara-caitanya é de dois tipos: aquele que nunca é tocado por maya e o outro que, para os passatempos do Senhor, aceita o contato com maya. O primeiro tipo de isvara é chamado por nomes como Narayana e Hari:

“O Senhor Hari é na verdade a Suprema Personalidade de Deus, transcendental à natureza material e não é tocado pelos modos da natureza. Ele é a testemunha que tudo vê. Quem O adora se libera dos modos da natureza.” (SB 10. 88.5)

O segundo tipo de isvara é chamado por nomes como Siva.

 “O Senhor Siva está sempre unido à sua energia pessoal, aceita voluntariamente as três gunas e parece estar coberto por elas. (SB 10.88.3)

Apesar de Siva parecer estar coberto pelas gunas, não devemos pensar que ele pertence à categoria jiva, pois o Brahma-samhita diz:

“O iogurte é uma transformação do leite, mas não é leite e nem é diferente do leite que o origina. Adoro ao Senhor primordial, Govinda, de quem o Senhor Siva é uma transformação similar para o trabalho da destruição.” (Brahma-samhita, 5.45)

Os Puranas e outras escrituras às vezes glorificam o Senhor Siva como isvara. Mas o Srimad Bhagavatam explica:

 “A transcendental Personalidade de Deus está associada indiretamente com os três modos da natureza - bondade, paixão e ignorância - e apenas para a criação, manutenção e destruição do mundo material é que Ele aceita as três formas qualitativas de Brahma, Visnu e Siva. Destas três, todos os seres humanos podem obter o benefício final de Visnu, a forma na qualidade da bondade.” (SB 1.2.23)

Neste verso pode-se compreender que Brahma também pode ser considerado isvara. Mas devemos compreender a posição de Brahma como isvara, como sendo uma jiva investida de poder pelo Senhor Supremo (isvara-avesa).

“Adoro o primordial Senhor Govinda por cuja graça Brahma tem o poder de criar o Universo, assim como o sol manifesta uma porção da sua própria luz numa jóia refulgente como a suryakanta.” (Brahma-samhita, 5.49)
 

“A madeira é uma transformação da terra, mas a fumaça é melhor do que a madeira. O fogo é superior à fumaça, pois com ele podemos realizar yajña. Analogamente, a paixão (rajas) é melhor do que a ignorância (tamas), mas a bondade (sattva) é melhor porque com  ela é possível se realizar a Verdade.” (SB 1.2.24)

Assim como a fumaça é superior à madeira, da mesma maneira o modo da paixão é superior ao da ignorância. Mas assim como na fumaça não se pode perceber o fogo, da mesma maneira na fumaça de rajo-guna, não se pode perceber a refulgência ígnea do Senhor. No ígneo modo da bondade pode-se quase perceber diretamente a refulgência pura do Senhor.  Assim como o fogo está presente dentro da madeira, apesar de não poder ser notado, assim também o Senhor está presente de forma invisível até mesmo no modo da ignorância. Num sono profundo e sem sonhos (susupti), a característica de tamo-guna, experimenta-se uma felicidade quase similar à felicidade da realização do Senhor em Seu aspecto impessoal (nirbheda-jñana-sukha). Deve-se compreender as tattvas considerando-as desta maneira.

Os seres conscientes que são dependentes do Senhor, as jivas, são de dois tipos: aquelas que não estão cobertas pela ignorância e aquelas que estão cobertas pela ignorância ­ devatas, homens, animais. As jivas que não estão encobertas pela ignorância são de dois tipos: aquelas que estão sob influência da aisvarya-sakti do Senhor e as que não estão influenciadas por esta sakti.

Aquelas que não estão sob a influência da aisvarya-sakti são de dois tipos principais: aquelas que praticam jñana e imergem no Senhor (uma condição lamentável) e aquelas que praticam bhakti para permanecerem diferenciadas do Senhor e saboreiam uma bem-aventurança nectárea (um estado não-lamentável). Aquelas que são influenciadas pela aisvarya-sakti também são de dois tipos: as que estão absortas em jñana pertencendo à esfera espiritual e as que estão absortas na criação e outras funções da esfera material. À primeira classe pertencem seres como os quatro Kumaras e à segunda seres como Brahma e os semideuses.

Podemos considerar que Visnu e Siva são não-diferentes, sendo a mesma isvara-caitanya. No entanto, um devoto sem desejos materiais (niskama) deve discernir quem é digno de ser adorado ou não, baseando-se em nirguna e saguna; isto é, sem qualidades materiais (Visnu) e em contato com as qualidades materiais (Siva, Brahma). Sendo tipos diferentes de caitanya, Brahma e Visnu são completamente diferentes: Brahma é uma jiva e Visnu é isvara. Às vezes os PuraNas descrevem Brahma e Visnu como sendo idênticos. Mas é preciso que se compreenda isso através do exemplo do sol e da jóia suryakanta, que está carregada com a luz do sol. A jóia suryakanta, assim como uma lente, que reúne os raios do sol e manifesta o calor do sol queimando roupa e papel. É apenas desta maneira que se deve considerar Brahma como não-diferente de Visnu. Em alguns mahakalpas, até mesmo Siva pode ser uma jiva investida de poder pelo Senhor como Brahma: kvacij jiva visesatvam harasyoktam vidher iveti. “Assim como no caso de Brahma, às vezes uma jiva assume o papel de Siva.”

Desta maneira Siva às vezes é classificado juntamente com Brahma e portanto se diz:

 “Aquele que considera Brahma, Siva e os outros semideuses no mesmo nível do Senhor Narayana é certamente um ateísta.” (Hari-bhakti-vilasa 1.117, do Vaisnava-tantra)

Aqueles que não conhecem bem o assunto dizem que Visnu é o Senhor, não Siva; ou que Siva é o Senhor e não Visnu. Ou pensam: uma vez que sou um devoto de Visnu não devo considerar Siva e vice-versa. Absortos em tais argumentos estas pessoas cometem nama-aparadha. Se estes ofensores puderem ser iluminados por algum devoto com o conhecimento exato sobre este assunto, eles poderão realizar desta maneira que Visnu e Siva são não-diferentes. Com esta realização e por fazer nama-kirtana, eles podem neutralizar a sua nama-aparadha."

(Postado no ano de 1999 no fórum Sarasvata-paribhar, por Satya Raja (discípulo e um dos primeiros tradutores brasileiros de Srila Narayana Maharaj)