A Verdadeira Posição da Alma
No
Srimad Bhagavad-gita, Sri Krsna diz a Arjuna a condição verdadeira da alma:
acchedyo'yam adahyo'yam / akledyo 'sosya
eva cha
nityah sarva-gatah sthanur / acalo yam
sanatanah
"A
alma individual é irrompível e insolúvel e não pode ser queimada e nem
seca. A alma é permanente, está presente
em toda parte, é imutável, imóvel e eternamente a mesma.” (Bg. 2. 24)
Krsna
declara que a alma é sarva-gata,
onipenetrante. Ela pode agir em qualquer condição da criação divina, quer sob
os auspícios da energia externa, quer sob os auspícios da energia interna de
Bhagavan. E que além disso ela é acala,
imóvel. Na verdade a alma encontra-se na condição de tatashtha-sakti, a energia marginal de Bhagavan. Segundo as
autoridades no serviço devocional, esta energia se situa numa região
intermediária entre o oeano cusal e a criação material. A entidade viva (jiva) que se situa nesta posição tem o
livre arbítrio de escolher onde se abrigar. Ela pode viver tentando desfrutar
da posição de purusha na energia
externa, sob as leis do dualismo, ou pode desfrutar de uma vida mais saudável,
como serviçal eterna dos sentidos do Maha-purusha num mundo não-dual.
Os
Puranas levam à conclusão que desfrutar de uma atmosfera não-dual, apropriada
para uma entidade não-dual como a jiva, servindo aos sentidos de Bhagavan e
sendo reciprocada por Bhagavan com a gratificação de seus sentidos, é muito
mais saudável para a entidade viva.
Não
é possível conceber se o tatashtha é um espaço real ou virtual. O mundo espiritual
é acyntia, inconcebível para o padrão de raciocínio dualista. Fracassamos ao
imaginá-lo como um determinado local segundo os padrões dualistas materiais.
Como a alma é todo-penetrante ela pode estar em um determinado local e
simultaneamente não estar em local algum.
Lokas,
ou locais são espaços materiais. Na condição onipenetrante a alma desfruta de
natureza acintya bhedabheda, ou seja da inconcebível simultaneidade da sua
posição constitucional. Esta realidade dualista que vivemos é apenas uma realidade
virtual criada pela energia externa. A posição auto-realizada onde se desfruta
prema é inconcebível para o pensamento material.
Praticamente
todo o conceito de vida na cultura ocidental está baseado num conceito de vida
corpórea; isto é, de identificação com o corpo físico. Há escolas filosóficas
que admitem o conceito da existência do conjunto corpo e alma como tendo sido
criados, ou passado a existir concomitantemente. O corpo seria perecível, mas a
alma eterna. Mas onde conceber uma eternidade vinculada a um momento inicial, a
partir da formação do conjunto alma-corpo? A eternidade não pode estar restrita
a um início, pois deixaria de ser eterna. Seria no máximo perene, mas não
absolutamente eterna. As escolas ateístas descartam a existência de uma alma
que sobreviva ao desaparecimento do corpo. Após a morte do corpo a entidade
viva estaria sujeita ao desaparecimento completo.
Os
Puranas analisam exaustivamente estas duas perspectivas e levam ao conceito
não-dual de uma existência vinculada à realidade da Verdade Absoluta. As
entidades vivas são partes integrantes da Verdade Absoluta e como tal não
necessitam de uma atmosfera dual para sua existência. Elas podem servir a esta
Verdade Absoluta num plano dualístico, material, que está sujeito às vicissitudes
dualísticas de existir e não-existir, e podem viver numa atmosfera não-dual,
livre dos inconvenientes de existir dentro dos limites de um corpo físico e
passar a não ter existência corpórea manifesta no cataclismo físico denominado
“morte.”
O
Srimad Bhagavatam, o Purana imaculado, define maravilhosamente este assunto num
diálogo entre Krsna e Uddhava. Krsna explicou estes conceitos de vida e morte
corpórea a Arjuna num campo de batalha, num momento decisivo e de muita
expectativa. Arjuna apesar de ser extremamente inteligente, por ter assimilado
todos os ensinamentos de Krsna em pouco menos de uma hora, era um guerreiro, um
kshatriya. Não é de se esperar que especialistas em artes marciais sejam
grandes filósofos.
Portanto,
Krsna fez questão de explicar detalhadamente os mesmos pontos filosóficos a
Uddhava, um pouco antes de abandonar este planeta. Uddhava era um grande
filósofo e além disso, era o ministro mais arguto de Krsna, sendo notável pela
sua inteligência e preparo psicológico. Ele era tido como o mais perito
analista de todas as circunstâncias duais que se pode conceber. Portanto, Krsna
tem o mesmo diálogo que teve com Arjuna, e que se tornou famoso com o nome de
Bhagavad-gita, com Uddhava e este diálogo está no décimo primeiro canto do Srimad
Bhagavatam. E a respeito do conceito de vida e morte corpórea, Krsna faz
questão de salientar a posição definitiva:
“Os
grandes filósofos analisaram os elementos materiais que constituem este cosmos
de muitas maneiras diferentes. Todas as propostas são razoáveis, pois todas são
apresentadas com extensa lógica. Estas propostas filosóficas são deveras
brilhantes. No entanto, estes mesmos elementos materiais são a causa do falso
ego e este falso ego torna-se a causa de toda ilusão e dualidade materiais.
O
argumento especulativo dos filósofos — ‘Este mundo é real’, ‘Não,
ele não é real’ — baseia-se em conhecimento incompleto a respeito da
Verdade Absoluta e visa apenas compreender as dualidades materiais. Embora esta
argumentação seja inútil, aqueles que
desviam a sua atenção de Mim, que sou a Causa de todas as causas, são incapazes
de abandoná-lo.
A
mente (que vive em função do falso ego), está presa às reações das atividades
materiais e sempre medita nos objetos dos sentidos. Portanto, a mente parece que
vem a ser e que depois sofre a aniquilação junto com os objetos de percepção, e
dessa maneira perde a sua capacidade de distinguir entre o passado e o futuro.
Ao
passar do corpo atual para o próximo corpo criado pelas suas próprias
atividades materiais, a entidade viva absorve-se nas sensações agradáveis e
dolorosas do novo corpo e esquece por completo a existência do corpo anterior.
Este esquecimento total da sua identidade material anterior, causado por uma
razão ou por outra, chama-se morte. E o que chamam de nascimento é apenas a
identificação total da alma condicionada com o seu novo corpo. Ela
completamente iludida, aceita o novo corpo assim como alguém aceita sem
ressalvas a experiência de um sonho ou fantasia como sendo realidade. A alma
condicionada em seu corpo atual, embora tenha existido antes dele, pensa que só
recentemente veio a existir. E como a mente cria esta identificação com o novo
corpo, ela se envolve com a dualidade deste mundo.
Os
corpos materiais estão sempre passando por criação e destruição decorrentes da
força do tempo, cuja rapidez é imperceptível. Devido à natureza sutil do tempo,
ninguém nota estas mudanças. Aqueles que apenas desperdiçam a suas vidas
equivocamente, pensam e dizem que cada fase particular do corpo é a verdadeira
identidade do ser. No entanto, a entidade viva de fato não nasce e sendo
imortal não morre. É em virtude da ilusão material que o ser vivo parece nascer
e morrer.
Embora o corpo material
seja diferente do eu, devido à ignorância decorrente da associação material, a
entidade viva eterna equivocadamente se identifica com as condições corpóreas.
Contudo, às vezes alguém muito afortunado é capaz de abandonar semelhante
invenção mental. Quem compreende de modo realista a criação e destruição dos
corpos materiais já não está sujeito a estas dualidades. Mas o homem sem
inteligência, incapaz de distinguir-se da natureza material, pensa que a
natureza é real, e devido ao contato com ela, acaba ficando completamente
confuso e entra no ciclo da existência material, que o faz divagar por
diferentes corpos como reação às suas atividades dualísticas.”
Hare Krishna!